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Da feira de Cachoeira para o museu em SP: Artesãs ressignificam a chita em coleção ancestral

Associação Chitarte lança a linha "Das Marias", unindo tradição, sustentabilidade e uma potente homenagem às mulheres que moldaram a história do Recôncavo.

Foto: Divulgação

No coração vibrante de Cachoeira, onde o tempo parece correr no ritmo das águas do Paraguaçu, um grupo de mulheres está promovendo uma silenciosa e colorida revolução. As artesãs da Associação Artesanal Chitarte pegaram um dos símbolos mais populares e, por vezes, subestimados da nossa cultura — o tecido de chita — e o elevaram ao status de alta moda e arte.

O resultado desse trabalho minucioso é a coleção “Das Marias”, que será lançada nacionalmente no próximo dia 13 de dezembro, no prestigiado Museu A Casa do Objeto Brasileiro, em São Paulo. A iniciativa não é apenas um lançamento comercial; é a afirmação de que o Recôncavo Baiano é um polo de design, inovação e, acima de tudo, de memória preservada.

Foto: Divulgação

A chita como documento histórico e identidade

Para entender a dimensão dessa coleção, é preciso olhar para a matéria-prima. A chita, com seu algodão leve e estampas florais vibrantes, é a pele da festa popular brasileira. No entanto, sua origem remonta ao período colonial, vestindo inicialmente corpos negros escravizados. Com o tempo, popularizou-se a tal ponto que sua complexidade histórica foi sendo esquecida, associada apenas à vida doméstica simples ou a decorações efêmeras.

O trabalho da Chitarte, coordenado pela designer Camila Martins e executado por 17 artesãs talentosas, é um ato de resgate. Bárbara Nunes, mestra em Gestão de Políticas Públicas e artesã do grupo, explica que a coleção faz uma “releitura do tecido”, devolvendo-lhe o protagonismo e a nobreza.

Durante oito meses de imersão criativa, o grupo não se limitou a costurar. Elas experimentaram, testaram tramas e ousaram nas misturas. O tecido de chita ganhou a companhia de sementes da região, detalhes em couro, bordados manuais refinados e até retalhos plásticos e sacolas, provando que a sustentabilidade pode caminhar lado a lado com a tradição. O que era considerado “comum” transformou-se em peças de vanguarda, carregadas de textura e significado.

Foto: Divulgação

“Das Marias”: Um nome, mil histórias

O batismo da coleção toca na ferida e na cura. “Maria” é um nome onipresente, mas que muitas vezes foi usado de forma genérica e até pejorativa para se referir a mulheres negras e trabalhadoras domésticas, apagando suas individualidades. A coleção inverte essa lógica e transforma “Maria” em um estandarte de orgulho.

As peças são inspiradas nas mães, avós e vizinhas das artesãs — as mulheres que, com suas lutas diárias, moldaram o caráter e a cultura de Cachoeira. Cada corte, cada ponto de bordado na chita é uma homenagem a essas ancestrais que sustentaram a economia e a identidade do Recôncavo. A coleção é um espelho onde a comunidade se vê com dignidade, celebrando a força feminina que sempre foi o alicerce das famílias baianas.

Inovação e mercado: O apoio da Rede Artesol

Para que a alma do Recôncavo chegasse com força técnica ao mercado de luxo e design de São Paulo, foi fundamental a parceria com o Laboratório de Inovação Artesanal (LAB) da Rede Artesol. A organização, que atua há mais de 25 anos fortalecendo o artesanato brasileiro, ofereceu o suporte necessário para que a criatividade das baianas ganhasse estrutura de negócio.

Helena Kussik, antropóloga da Rede Artesol, destaca que o desejo de inovar partiu das próprias artesãs. O LAB ofereceu capacitação, inclusão digital e acesso a novos mercados, permitindo que o saber-fazer tradicional dialogasse com as exigências do design contemporâneo. O lançamento em São Paulo é a coroação desse processo: a prova de que o artesanato de Cachoeira não é apenas um souvenir, mas uma expressão artística potente, sustentável e economicamente viável, pronta para conquistar o Brasil e contar a história das “Marias” para o mundo.