
A força e a fé do Recôncavo Baiano vão cruzar o país para se tornarem o centro do maior espetáculo da Terra. A Beija-Flor de Nilópolis, uma das mais tradicionais e vitoriosas escolas de samba do Rio de Janeiro, anunciou que o Bembé do Mercado, de Santo Amaro da Purificação, será seu enredo para o Carnaval de 2026. A escolha coloca a celebração, já reconhecida como Patrimônio Imaterial da Bahia e do Brasil, em uma vitrine de alcance mundial.
Considerado o maior candomblé de rua do mundo, o Bembé é realizado há 136 anos, desde 1889, como um ato de agradecimento pela abolição da escravatura. A festa reúne dezenas de terreiros em praça pública e representa um marco de resistência e protagonismo do povo negro. Agora, essa história será contada na Marquês de Sapucaí.
Uma conexão de identidade e ancestralidade
Para a Beija-Flor, a escolha do tema é um retorno às suas raízes. A diretoria da escola desembarcou em Santo Amaro para uma imersão cultural, iniciando o diálogo com lideranças religiosas, historiadores e detentores da tradição. O enredo será desenvolvido pelo carnavalesco João Vitor Araújo, que vê no Bembé uma força única.
“O Bembé do Mercado é de uma potência simbólica e estética imensa. É um enredo que nos atravessa, que nos conecta com a ancestralidade e com a luta do povo preto no Brasil”, destacou o artista. A visão é compartilhada pelo presidente da agremiação, Almir Reis. “Para nós, é um orgulho contar mais uma história de protagonismo e resistência preta na Sapucaí. É a nossa identidade, está no nosso DNA”, afirmou.
A voz do povo de Santo: ‘É um marco histórico’
Em Santo Amaro, a notícia foi recebida como um reconhecimento histórico. Para Pai Pote, babalorixá e presidente da Associação Beneficente Bembé do Mercado, levar a celebração para o carnaval carioca é um ato de grande importância para a comunidade.
“A escolha da Beija-Flor é um marco. Levar o Bembé para a Sapucaí é dar visibilidade a uma tradição que há mais de um século reafirma a força do povo preto e de santo nas ruas”, celebrou Pai Pote. “Essa visibilidade fortalece nossa luta, amplia nosso alcance e ajuda a combater o preconceito com informação, beleza e ancestralidade. É sobre memória, resistência e orgulho.”

Um projeto civilizatório na avenida
A profundidade do Bembé vai além de uma festa religiosa. Segundo a pesquisadora Ana Rita Machado, a celebração deve ser entendida como um “projeto civilizatório” de matriz africana. Ela lembra que figuras centrais para a história do samba no Rio, como Tia Ciata, saíram de Santo Amaro, criando uma ponte cultural direta entre o Recôncavo e a Sapucaí.
Levar o Bembé para o desfile é, portanto, reconectar o carnaval carioca com uma de suas fontes mais puras e ancestrais. A avenida se tornará uma extensão do Barracão do Mercado de Santo Amaro, um espaço de canto, dança e afirmação de que a liberdade foi conquistada e é celebrada pelo povo negro há mais de um século.
