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Entre Santos e Orixás: A arte sincrética de Mestre Gerar moldada no barro da Bahia

Do encontro dos rios Grande e São Francisco, artesão de Barra cria esculturas que unem o catolicismo e o candomblé, perpetuando tradições e transformando vidas.

Foto: Ricardo Prado

Nas margens onde o Rio Grande abraça o Velho Chico, na cidade de Barra, nasce uma arte que é pura tradução da alma baiana. José Geraldo Machado, conhecido nacionalmente como Mestre Gerar, transformou o barro da sua terra em um veículo de fé e resistência. Suas mãos, guiadas por uma sensibilidade ímpar, esculpem o sagrado de duas matrizes, criando obras onde santos católicos e orixás convivem em perfeita harmonia.

Vencedor do Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato e com obras expostas no Museu Afro Brasil, Gerar é mais do que um ceramista; é um guardião de saberes. Sua arte barroca, de vestes volumosas e expressões intensas, narra a história do sincretismo brasileiro, lembrando tempos em que a devoção precisava ser camuflada para sobreviver, e hoje se revela com orgulho e beleza.

Um sonho de menino e a faca da cozinha

A trajetória de Mestre Gerar começou no terreno onírico. Aos 11 anos, sonhou com uma imagem viva do Bom Jesus na gruta da Lapa. Ao acordar, movido pelo desejo de ter aquela imagem para si, pegou um pedaço de madeira umburana e uma faca da cozinha de sua mãe. Ali nasceu sua primeira escultura.

Autodidata, começou modelando apenas santos católicos, reflexo de sua criação. Mas foi sua iniciação no Candomblé que expandiu seu universo criativo. Babalorixá do terreiro Pai Xangô das Cachoeiras, Gerar passou a incorporar os Orixás em sua arte. Inspirado pela história de resistência dos antepassados escravizados, ele criou uma estética própria: Nossa Senhora das Candeias se funde com Iemanjá; a bravura de São Jorge encontra a imponência de Oxóssi.

As cores que vêm do rio

A matéria-prima de Gerar é um presente da geografia local. . O artista utiliza o barro claro das margens do Rio Grande e o “borda” com pigmentos naturais extraídos da própria terra:

  • Tauá: Argilas amarelas que, após a queima, revelam tons avermelhados vibrantes.

  • Tabatinga: Extraída do Rio São Francisco, garante o branco intenso nas peças.

  • Engobes: Tintas naturais feitas de argila líquida, que dão vida aos mantos e adereços.

O processo é lento e respeitoso. Uma escultura pode levar mais de dez dias para ser modelada, pintada e finalmente eternizada no forno a lenha, onde o fogo sela a união entre a técnica e o sagrado.

Mãos que ensinam e acolhem

Para Mestre Gerar, a arte não deve ser guardada, mas partilhada. “Dou de graça aquilo que de graça recebi de Deus”, costuma dizer. Em seu ateliê, que funciona também como escola, ele acolhe jovens em situação de vulnerabilidade da comunidade de Barra.

Ali, ensina não apenas a técnica da cerâmica — do preparo da argila à modelagem —, mas transmite valores de pertencimento e identidade. Ao formar novos artesãos, Mestre Gerar garante que a tradição oleira da região, que remonta há mais de 150 anos, continue viva, gerando renda, dignidade e orgulho para as novas gerações.