
O silêncio que habitou os corredores de um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos da Bahia por um quarto de século está prestes a ser quebrado. O Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, situado no distrito de Caboto, em Candeias, vive os preparativos finais para reabrir suas portas ao público. Fechado desde o início dos anos 2000, o equipamento passou por uma reforma monumental e volta à cena cultural não apenas restaurado, mas ressignificado, pronto para ocupar seu lugar como um dos principais vetores de turismo e educação patrimonial da Baía de Todos-os-Santos.
A expectativa é que a entrega oficial ocorra nesta reta final de novembro ou início de dezembro, dependendo apenas de ajustes finais de agenda governamental. O retorno deste ícone simboliza muito mais do que a recuperação de um prédio; representa o resgate da autoestima cultural de uma região que foi o coração econômico do Brasil Colônia e que guarda, em cada tijolo, as marcas profundas da nossa formação social. É um momento de celebração para historiadores, moradores e turistas que aguardam ansiosamente para redescobrir este tesouro.
Um mergulho na história do açúcar e da arquitetura colonial
Instalado nas terras do antigo Engenho Freguesia, o museu é uma verdadeira joia encravada na Região Metropolitana de Salvador. O complexo arquitetônico, tombado pelo Iphan desde 1944, impressiona por sua grandiosidade e pela preservação de características únicas do ciclo do açúcar. Estamos falando de uma estrutura imponente com quatro pavimentos e 55 cômodos, que atravessou séculos de história — desde a invasão holandesa, quando foi incendiado, até seu apogeu no século XIX e o fim da produção açucareira em 1899. A grandiosidade do local reflete o poder econômico da época, mas também serve como um documento vivo das transformações sociais e políticas que moldaram a Bahia ao longo dos séculos.
Para devolver esse gigante à sociedade, foi necessário um investimento robusto, estimado em mais de R$ 27 milhões, financiado em parte pelo Prodetur. A intervenção foi completa e minuciosa: envolveu a restauração da edificação principal, a recuperação da capela e a criação de um novo píer, que permitirá o acesso direto pelo mar, integrando o museu ao roteiro náutico da Baía de Todos-os-Santos. Além da estrutura física, o acervo de mais de 200 peças — que inclui mobiliário, vestuário, cerâmicas e arte sacra — passou por um cuidadoso processo de restauro, com 133 itens recuperados para ajudar a contar a história do cotidiano do Recôncavo.
Para quem já deseja ter um vislumbre da transformação realizada e da beleza que aguarda os visitantes, o canal oficial do museu disponibilizou um registro especial da área externa. As imagens revelam a imponência do casarão restaurado em harmonia com a paisagem natural da Baía, antecipando a experiência única que o público poderá vivenciar em breve. Confira o vídeo da área externa no link abaixo:
Assista aqui: Tour pela área externa do Museu Wanderley Pinho
Uma nova narrativa: A história contada pela resistência
Talvez a maior novidade desta reabertura não esteja nas paredes reformadas, mas na alma do museu e na forma como ele dialoga com o presente. A nova proposta museológica inverte a lógica tradicional e eurocêntrica. Se antes a história era contada sob a ótica da “Casa Grande” e dos senhores de engenho, agora o foco recai sobre quem construiu essa riqueza com sangue e suor: os povos negros e indígenas escravizados. A expografia foi desenhada para dar voz a essas populações, destacando suas trajetórias, saberes, dores e, principalmente, suas estratégias de resistência e sobrevivência.
Essa mudança de perspectiva, alinhada com os debates contemporâneos sobre memória e reparação histórica, transforma a visita em uma experiência educativa profunda e necessária. Segundo o secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro, o objetivo é que o espaço narre a escravidão a partir da visão dos escravizados, valorizando a força de trabalho e a cultura que sobreviveram à exploração. É um movimento para garantir que estudantes e moradores do Recôncavo se enxerguem na história exposta, não apenas como descendentes de vítimas de um sistema cruel, mas como herdeiros de uma força cultural inquebrável que moldou a identidade baiana.
Impacto no turismo, educação e economia local
A reabertura do Wanderley Pinho promete movimentar toda a cadeia produtiva da região, gerando emprego e renda. A localização estratégica em Candeias, a cerca de 50 km de Salvador, torna o museu um destino perfeito para o turismo cultural e pedagógico, atraindo visitantes de todo o mundo. Antes mesmo da abertura oficial, uma agenda com prefeitos e secretários de Educação e Cultura dos municípios vizinhos foi articulada para integrar o museu à vida escolar e turística do Recôncavo, garantindo que as novas gerações tenham acesso a esse patrimônio.
Além disso, a estrutura modernizada permitirá a realização de atividades educativas, oficinas e visitas guiadas que vão dinamizar a economia de Caboto e arredores. A chegada de visitantes, seja por terra ou pelo novo píer, deve impulsionar o comércio, a gastronomia local e os serviços, provando que a preservação do patrimônio histórico é também uma poderosa ferramenta de desenvolvimento econômico e social. O Recôncavo ganha, assim, um equipamento à altura de sua importância para a história do Brasil, pronto para conectar o passado ao futuro.
